Em entrevista para o Elas Reportam, a deputada distrital Jane Klebia (MDB) começou apresentando sua jornada até a política. Sua trajetória conta com experiências na área policial, da saúde e educação.
A deputada Jane Klebia expõe sobre seu compromisso em defesa das mulheres e as novas leis aprovadas, na última semana, no Brasil oferecem esperança para vítimas de violência doméstica.
“Minha mãe tinha uma fé absurda na educação, ela acreditava que só a educação poderia resgatar a gente, ela dizia ‘sem educação vocês não vão a lugar nenhum, se tem algo que posso entregar a vocês é a educação’, isso salvou a gente”, declarou.
Quando começou a trabalhar na delegacia do Paranoá, percebeu que poderia fazer um pouco mais do que só o trabalho burocrático. Contou que gostava das operações e, em especial, do trabalho com as mulheres vítimas de violência doméstica.
“Elas tinham o meu telefone, se eu tivesse a notícia que uma mulher estava sofrendo violência doméstica, eu iria na casa dela”, disse.
A deputada contou uma história que ficou marcada na sua experiência como delegada. Em 2018, uma menina chamada Isabela, na cidade do Paranoá, foi morta por um rapaz chamado Matheus.
Ela tinha uma irmã, que considerava como mãe, pois a biológica havia falecido. Matheus e Isabela não eram casados, mas tinham filhos gêmeos e cuidavam das crianças juntos.
Depois de um tempo, ela resolveu terminar o relacionamento, porém ele não aceitou e começou a ameaça-la e persegui-la. Um dia, ao ir ao trabalho da ex-companheira, presenciou a mesma conversando com uma pessoa, um amigo. Porém, ele não sabia se era apenas amizade ou namoro.
“Ele viu ela feliz e sorrindo com outro homem, fez uma filmagem dela e foi à casa da irmã (de Isabela) mostrar o vídeo e dizer _ ‘olha aqui a vagabunda da sua irmã, já está com outro…’. Absolutamente revoltado por ela estar se relacionando com outra pessoa, no qual ele nem sabia se de fato era um relacionamento amoroso.”, complementou.
A partir desse momento, Matheus começou a busca por uma arma de fogo. O homem foi para São Sebastião, intencionado a conseguir algo para mata-la.
No domingo foi até a casa dela, justificando querer falar com as crianças. Ao entrar na casa, se deparou com ela segurando uma das crianças no colo. Em seguida, pede para a ex-cunhada retirar a criança da sala. Isabela tomou um tiro e, logo após, Matheus tirou a própria vida.
“Ela tinha 22 anos e ele tinha 21. Duas vidas, dois jovens. Ela teria um futuro pela frente, com a expectativa de vida em um país que já passa dos 76 anos. Tinha muita coisa pra viver e teve a vida ceifada”, completou Jane.
Ela ainda expressou sua indignação dizendo: “Essa história me marcou pela crueldade e pela covardia! Por simbolizar todo o restante e por nunca aceitarem o não da mulher! Os homens não estão preparados para frustrações”.
Ao ser questionada sobre seus projetos relacionados a violência contra a mulher e, além disso, frear a quantidade de feminicídios no país, a deputada relatou:
“Como parlamentar, eu me senti na obrigação de fazer alguma coisa a mais com relação à violência, então falo de violência todos os dias, tenho buscado os mais diversos projetos sociais, esses que estão nas cidades, de ajudar mulheres para fomentar. A partir do emprego de emenda parlamentar que é recurso financeiro que deputado tem a disposição para fazer a fomentação, e auxiliar estas instituições e organismos que estão aí para ajudar as mulheres”.
Ela revelou que a parte mais importante de um parlamentar é a legislativa, então menciona que já propôs, até o momento, onze projetos de lei diferentes, que tratam da defesa da mulher.
“Acho que a minha atuação mais importante é essa, em defesa da mulher, de ser esse ouvido. Hoje estamos trabalhando em um aplicativo que facilite a denúncia”.
Expressou também a honra em ser vista como uma referência, quando o tema é violência doméstica.
“E eu quero colocar essa minha visibilidade, essa credibilidade que eu alcancei, para que seja também um canal de recebimento de denúncia para fazer essa interlocução, da vítima que precisa com os meios de apuração, com as delegacias ou com as varas de violência”, concluiu.
Em Brasília, apenas até o mês de setembro, há 26 mulheres mortas com histórias que são muito semelhantes com a de Isabela.
Projeto de Lei
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nesta quinta-feira (14/9), o Projeto de Lei 4.875/2020, que garante o direito a auxílio-aluguel para vítimas de violência doméstica em situação de vulnerabilidade social e econômica. Essa medida representa um avanço significativo na proteção das mulheres que sofrem com a violência em seus lares.
O projeto é uma alteração na Lei Maria da Penha e estabelece a inclusão do auxílio-aluguel como uma medida protetiva de urgência. Agora, as vítimas terão o direito de receber um benefício financeiro para custear uma moradia própria, afastando-se assim do agressor. A duração desse auxílio pode chegar a até seis meses, com o valor a ser definido pelo juiz responsável pelo caso, levando em consideração a situação da vítima. A fonte de recursos desse benefício virá do Fundo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
É importante destacar que o financiamento desse auxílio será realizado pelos estados e municípios, por meio de recursos destinados à assistência social. Essa medida visa oferecer apoio às mulheres que, em muitos casos, não têm condições financeiras de deixar os lares onde sofrem agressões. Muitas vezes, elas se encontram em uma situação de vulnerabilidade extrema e ficam reféns da violência.
A secretária executiva do ministério, Maria Helena Guarezi, como ministra em exercício, ressaltou que essa é mais uma ferramenta dentro da lei Maria da Penha para assegurar os direitos das mulheres.
“É mais um instrumento dentro da lei Maria da Penha que vem garantir mais direitos para as mulheres. As mulheres que hoje não tem onde ficar nos espaços domésticos, não podem ficar no mesmo ambiente que o agressor”, disse a ministra.
A sanção dessa lei é um passo adicional rumo à reparação das mulheres vítimas de violência doméstica. Ela reconhece a importância de combater a dependência financeira como obstáculo para que essas mulheres denunciem a violência e busquem apoio do Estado. A Lei do Auxílio-Aluguel busca romper o ciclo de violência e proporcionar às vítimas a oportunidade de reconstruir suas vidas em um ambiente seguro e longe do agressor.
“A vítima pode pedir quando ela precisar, quem vai definir pode ser o juiz, pode ser uma articulação com a assistência social, isso passa inclusive pela avaliação se o município tem ou não casa abrigo”, apontou Guarezi.
A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), relatora do projeto, enfatiza que essa iniciativa fortalece a proteção já prevista na Lei Maria da Penha, proporcionando moradia segura às vítimas, especialmente quando há dependência financeira do agressor. O auxílio poderá ser ajustado de acordo com a vulnerabilidade de cada vítima.
Programa SER Família Mulher
Além do Projeto de Lei, O Programa SER Família Mulher, que oferece apoio financeiro a mulheres vítimas de violência doméstica, completou seu primeiro mês de implementação em setembro. Este programa envolve uma rede coordenada de diversos setores, incluindo saúde, assistência social, segurança pública, sistema judiciário e educação. A identificação das vítimas em situação de vulnerabilidade é realizada pela Polícia Judiciária Civil, e a Secretaria de Assistência Social e Cidadania verifica as informações antes de conceder os créditos.
O estado de Mato Grosso se destaca como o primeiro estado do Brasil a oferecer assistência temporária a mulheres com medidas protetivas por meio do cartão “SER Família Mulher”. Até o momento, 58 mulheres estão recebendo um auxílio mensal no valor de R$ 600, que pode ser concedido por até 12 meses, dependendo da vigência da medida protetiva. Essa iniciativa representa um passo importante na proteção das mulheres em situação de violência doméstica no estado.
Para se qualificar para o auxílio-moradia, as mulheres em situação de violência precisam ter medida protetiva, atender aos limites de renda (até um terço do salário mínimo) e, preferencialmente, ter filhos com idade entre zero e cinco anos.
Inicialmente, o programa atende a cinco municípios de Mato Grosso, além de Cuiabá, com planos de expansão para todo o estado. A manutenção do benefício está sujeita à validade da medida protetiva, podendo ser prorrogada com base em justificativa técnica, mas pode ser revogada em determinadas circunstâncias, incluindo o retorno da vítima ao convívio com o agressor ou o uso inadequado do cartão.
Vítimas
Em 2022, a violência contra a mulher no Brasil registrou um aumento alarmante, de acordo com o relatório “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números revelam um cenário preocupante, com crescimento nos feminicídios, agressões, ameaças e até mesmo no assédio sexual.
O relatório aponta para várias possíveis causas desse aumento, incluindo o desfinanciamento das políticas de proteção à mulher, o impacto da pandemia de COVID-19, e a influência de movimentos ultraconservadores na política brasileira. Além disso, a teoria do “backlash” sugere que, à medida que as mulheres buscam mais igualdade de gênero, podem enfrentar reações violentas de homens que buscam manter sua superioridade.
Esse aumento é confirmado pelos registros administrativos, incluindo boletins de ocorrência, acionamentos ao 190 e solicitações de medida protetiva ao Judiciário.
Há também desafios no acesso à justiça para mulheres que buscam medidas protetivas de urgência (MPUs). Embora essas medidas sejam fundamentais para proteger vítimas de violência, o relatório destaca que nem todas as MPUs solicitadas são concedidas, destacando a necessidade de melhorias nesse processo. O cenário atual enfatiza a urgência de políticas públicas de prevenção, proteção e acolhimento das vítimas de violência de gênero.
Segundo o Anuário de Segurança Pública, o perfil das vítimas de violência letal no Brasil destaca o impacto do racismo nas estatísticas. Entre as vítimas de feminicídio, 61,1% eram negras e 38,4% brancas. Esse cenário reflete o alto risco de feminicídio, cujo racismo permanece sendo um fator subjacente em todas as modalidades criminosas no país.