Policiais
Feminicídios: autonomia financeira é o caminho para salvar vidas da mulher

(crédito: Caio Gomez)
Especialistas apontam que a independência financeira da mulher é crucial na luta contra a violência doméstica e o assassinato de mulheres. Na capital, 20 mulheres foram covardemente mortas este ano
O massacre de mulheres vítimas de feminicídio no Distrito Federal é um assunto que requer medidas urgentes do poder público do Distrito Federal. Na capital do país, 20 mulheres foram assassinadas nos primeiros seis meses do ano, superando todos os casos de 2022, quando 17 foram mortas em razão de gênero ou no âmbito do convívio familiar. Para vencer essa guerra, especialistas apontam que, um dos caminhos, é criar mecanismos para que a mulher tenha autonomia financeira.
Carla Antloga, professora de psicologia clínica da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora na área de trabalho feminino, afirma que a desigualdade salarial entre homens e mulheres é a superfície do machismo estrutural, e faz com que homens acreditem que seus privilégios são direitos inatos. “Falar de desigualdade salarial é também falar do empobrecimento de tempo. Com menos tempo e recebendo menos, as mulheres terminam com menor acesso a recursos e serviços que permitiriam a elas se capacitar, estudar e descansar”, argumenta Carla.
Segundo a especialista, esse empobrecimento faz com que mulheres estejam sujeitas a relacionamentos abusivos como única forma de se manter com algum sustento. “Em todos os contextos em que a mulher tem condição de igualdade salarial com homem, você tem menos violência. Não só doméstica, mas violência contra mulher no trabalho, menos assédio sexual e menos assédio moral, porque a mulher tem condição de fazer frente”, explica a especialista.
Entre todos os casos de mulheres assassinadas no DF em crimes classificados como feminicídios, 83,3% sofreram algum tipo de violência anterior ao feminicídio, de acordo com o monitoramento da Secretaria de Estado de Segurança Pública. Essa estatística corrobora o fato de que o feminicídio é o ponto mais extremo de uma cadeia de violências misóginas que permeia diversas esferas sociais e é presente em todas as âmbitos da vida de uma mulher, principalmente o financeiro.
Marta* (nome fictício), 57 anos, viveu uma rotina de violência no casamento por 15 anos. Entre idas e vindas, foram três tentativas de divórcio frustradas porque ela não tinha como sobreviver com os dois filhos pequenos. “Uma amiga, vendo minha situação, fez uma vaquinha e pagou um curso de cabeleireira pra mim. Foi esse curso que me libertou. Assim que recebi meu primeiro salário, saí de casa com meus filhos e nunca mais voltei”, relata.
Para Marta, mais mulheres e crianças seriam salvas da violência caso elas não precisassem dos maridos para se manterem. “Para mim, o governo não vai fazer nada para mudar essa realidade porque quem mais morre, são mulheres pobres, muitas delas, negras. Se fosse crime contra mulher branca e rica, já tinham feito algo para mudar”, opina.
Educação
A disparidade salarial é um ponto central para a discussão de igualdade de gênero desde o movimento sufragista. Para a professora Carla Antloga, a questão deve ser tratada na educação, com a instrução das futuras gerações acerca de políticas de gênero e ainda possibilitar qualificação das mulheres, “O que a gente vê é que a qualificação para a mulher ser cozinheira, babá, manicure. Nisso a gente continua repetindo um lugar que na divisão sócio sexual do trabalho está destinado para mulher”, expõe.
Carla ressalta que para as mulheres que não têm renda alguma, é importante desenvolver políticas públicas que ofereçam emprego e não cedam a uma saída ilusória pelo empreendedorismo. “Mulheres que são vítimas de violência precisam de emprego para sair de casa, trabalhar e ter uma rede de apoio, não empreenderem sozinhas”.
Dentre as medidas existentes que tem a finalidade de coibir a violência doméstica, a criação da Lei Maria da Penha é um marco na história brasileira. No entanto, os dispositivos de proteção a mulheres ainda não são suficientes para garantir proteção. De acordo com o relatório de violência contra a mulher de 2023, as ocorrências de violência doméstica ou familiar no DF permanece crescente nos últimos 13 anos.
Para Thiago Pierobom, promotor de justiça do MPDFT, essas dificuldades de inserir a mulher no mercado de trabalho agrava o cenário de violência por torná-las mais dependentes de um parceiro. “E se ela depende financeiramente há uma maior tendência dela resistir em romper uma relação, ainda que marcada pela violência.” Ele ainda aponta que recentes pesquisas indicam que a maior parte das vítimas de violência doméstica não são totalmente dependentes do agressor, pois a maior parte dessas mulheres adquirem uma renda frágil ao trabalhar em funções altamente precarizadas.
O promotor destaca dentre os modelos de políticas públicas observados em países estrangeiros a licença paternidade remunerada, a qual serve para alargar o período de licença paternidade, mas condicionando a licença paternidade a que a mulher retorne ao trabalho, “a ideia dessa licença é é fomentar o retorno efetivo da mulher ao trabalho, de forma que o pai durante um período de tempo volte a cuidar do filho ali na primeira infância”, ele explica. A medida também serve para igualar a participação dos homens nas funções domésticas.
Outra forma de ação reconhecida por Thiago é a exigência de paridade de gênero nas funções de direção e chefia de grandes empresas e em órgãos públicos, além de politicas de enfrentamento à violência de gênero no ambiente de trabalho, como casos de assédio sexual e assédio moral. Para o promotor, é necessária uma abordagem transversal e intersetorial, que cumpra efetivamente o papel de inserir a mulher no mercado de trabalho. “E as variáveis vão dialogar, a inserção da mulher no mercado de trabalho diminui o risco dela sofrer violência doméstica e, por outro lado, sofrer violência doméstica diminui a presença delas no mercado trabalho, as questões estão todas interligadas”, reflete.
*Estagiário sob a supervisão de Adriana Bernardes
Fonte: Correio Brasiliense

Policiais
“Redes de ódio” se espalham entre crianças e adolescentes

Uma grande rede articulada que incitava crimes contra crianças foi desarticulada na manhã desta terça-feira (15/4) em operação da Polícia Civil do RJ – (crédito: FREEPIK)
Especialistas apontam caminhos a fim de conter a violência on-line infantojuvenil. Soluções exigem trabalho multidisciplinar
Desafios mortais, aliciamento de menores, grupos de ódio e violência extrema. Crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes se intensificam no Brasil, com dinâmicas que ocorrem em tempo real e se espalham por plataformas pouco monitoradas. Diante da lentidão do poder público em estruturar legislações e canais eficazes de denúncia, especialistas apontam medidas práticas que podem — e devem — ser adotadas por famílias, escolas e sociedade civil.
As soluções passam por envolvimento ativo dos pais, programas educacionais dentro das escolas, maior vigilância emocional e afetiva sobre os jovens, além do fortalecimento das políticas de responsabilidade das plataformas digitais. O cenário é urgente, e os especialistas são categóricos: o enfrentamento à violência virtual precisa ser coletivo, multidisciplinar e imediato.
Ela defende que as big techs devem ser responsabilizadas judicialmente, especialmente porque existem dados que evidenciam riscos para o público mais novo. “Essas plataformas são prestadoras de serviço. Aplica-se a elas o Código de Defesa do Consumidor. Portanto, não dá para dizer que elas não têm nenhuma responsabilidade. Temos também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que impõe a todos um dever de cuidado em nome do que chamamos de princípio do melhor interesse da criança”, diz.
Frazão explica que as plataformas querem se isentar da responsabilidade, baseados “a partir de uma interpretação equivocada do artigo 19 do Marco Civil da Internet”, que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
Na mesma linha, a advogada Giovanna Pieralli, especialista em proteção de dados, destaca a importância da mediação em casa e na escola. “A família como educador primário é essencial. Crianças e adolescentes aprendem muito por repetição e por visualização. Esse modelo de uso saudável da tecnologia tem que vir do núcleo familiar”, aponta.
Giovanna Pieralli defende o papel educativo das escolas. “É preciso promover campanhas educacionais, trazer especialistas para palestras, fomentar um ambiente seguro de escuta e oferecer canais de denúncia dentro do ambiente escolar. Educação e conscientização são medidas indispensáveis”, diz.
Segundo a pesquisadora Michelle Prado, fundadora da ONG Stop Hate Brasil, o país falha em não realizar campanhas nacionais e não emitir alertas públicos antecipados sobre tendências perigosas. Ela elaborou dezenas de relatórios, que são públicos, ressaltando a preocupação com o tema. “O desafio do desodorante, que vitimou uma menina em Brasília, circula há mais de um ano. Eu alertei diversos ministérios. O FBI emitiu comunicado sobre isso. O Brasil, não”, denuncia.
Ela critica a ideia de que apenas uma regulamentação seria suficiente. “Só a regulamentação não é bala de prata. É preciso um conjunto de ações, que vão desde inteligência, segurança pública, educação, plataformas. É uma abordagem que precisa ser tratada como política de saúde pública”, argumenta.
Diálogo e atenção
A psicóloga Carol Freitas reforça a importância da participação ativa da família, não apenas no cotidiano escolar, mas também nas experiências digitais das crianças e adolescentes. “É importante que os pais estejam presentes na vida on-line dos filhos, participem das vivências, perguntem, criem vínculos de confiança e incentivem o senso crítico. É preciso ser próximo, conversar, brincar, fazer o papel de pai e mãe, literalmente falando. Assim, a criança poderá reconhecer quando algo está fora do normal e alertar os responsáveis”, orienta.
A especialista alerta para sinais comportamentais que podem indicar situações de risco como mudanças bruscas de comportamento, isolamento, ansiedade, interesse excessivo em jogos digitais, desafios on-line ou redes sociais. “Tudo isso é sinal de alerta. Além disso, também tem a questão de sentir um medo excessivo ou um comportamento agressivo, também é um sinal de alerta de que há alguma coisa errada. Os pais e professores precisam estar atentos e alinhados”, aponta.
A pesquisadora Lia Beatriz Torraca, pós-doutoranda no Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca a centralidade das relações afetivas no ambiente digital. Segundo ela, o enfrentamento passa pela construção de vínculos reais. Ela destaca o controle do uso de celular nas escolas como um avanço importante.
“A proibição do uso de celulares em sala de aula, por exemplo, ajuda as famílias no controle, pois é um primeiro passo para impor limites. Mas é preciso mais. Precisamos tirar os jovens do quarto, do isolamento, e reinseri-los no mundo afetivo. Falta aproximação, cuidado e presença real”, afirma.
Projeto Sinais
O Núcleo de Prevenção à Violência Extrema contra Crianças e Adolescentes, vinculado ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), nasceu de um caso concreto e da constatação de que a atuação analógica é a mais eficaz para prevenir a radicalização juvenil. O procurador de Justiça Fábio Costa Pereira, idealizador da iniciativa, conta que a ideia surgiu em 2023, a partir de um episódio registrado no município de Frederico Westphalen.
Embora o núcleo só tenha sido oficialmente criado em 2024, a atuação começou como projeto-piloto em agosto do ano anterior, com o nome provisório de “força-tarefa”. A ação se consolidou em resposta à necessidade urgente de monitoramento no mês de abril — considerado crítico entre as subculturas violentas por reunir datas emblemáticas de ataques, como os massacres de Columbine, Virginia Tech, Realengo e o aniversário do ditador nazista Adolf Hitler.
Desde então, o projeto ganhou dimensão estadual. Em 2023, o núcleo capacitou mais de mil profissionais, incluindo seguranças, diretores, professores e servidores da assistência social. Foram realizadas 158 ações, com o cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão, sete internações psiquiátricas, seis internações de adolescentes e quatro prisões.
“Este ano já atuamos em mais de 60 eventos, cumprimos mais de oito mandados de busca e apreensão e ingressamos com duas medidas protetivas em prol de adolescentes”, informa o procurador.
Segundo Fábio Costa Pereira, apesar da crescente ameaça no ambiente virtual, o diferencial do programa tem sido justamente a aposta no contato direto com os adolescentes. “Talvez, o grande ganho do projeto é que a gente entendeu que o analógico hoje funciona muito, e até melhor que o universo digital. Nós preparamos as pessoas que têm relação de proximidade com os adolescentes para reconhecer os sinais que eles deixam no caminho da radicalização”, explica.
O procurador defende uma abordagem simples e integrada, enfatizando a importância de oferecer alternativas ao fascínio do universo digital. “Temos a tendência, diante de um problema, de buscar soluções complexas, quando, na verdade, precisamos de respostas simples e efetivas. Uma delas é justamente essa, no mundo analógico, preparar pessoas para reconhecer aquilo que está fora do lugar”, ressaltou. Atualmente, o projeto ampliou e todo o Ministério Público do Rio Grande do Sul está envolvido no combate à violência extrema.
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